O tamanho mudou. Aumentou, na verdade. Lhe cresceram seios, pêlos e celulites. Colecionou amigos, memórias, diplomas e gatos. Viu coisas mudando no mundo. Algumas pessoas que conheceu morreram. Algumas nasceram. Aprendeu novas palavras, talvez até novos idiomas. Aprendeu a aceditar em Deus. Depois aprendeu a perguntar onde ele está. E aprendeu a acreditar de novo. Pintou os cabelos e fez cirurgias plásticas para corrigir defeitos de nascença ou defeitos da vaidade. Andou de ônibus, de carro, de montanha russa, de moto, de avião, de patins. Sonhou em ser algo importante e não foi. Não sonhou em ser o mundo de alguém e foi. Achou que sabia viver e como dizem "quando achou que sabia as respostas, a vida mudou as perguntas". Adquiriu novos conhecimentos e novos hábitos. Desaprendeu algumas coisas. Comeu coisas diferentes. Bebeu também. Alguns sonhos mudaram, outros foram esquecidos, outros persistem e outros ainda não a fisgaram.
Mas isso é tudo uma obra envolta de um pequeno ser. Uma fantasia de carnaval que veste uma pequena alma. São situações que, apesar de diferentes, repetem as mesmas sensações. São arquivos diferentes, que são baixados pelo mesmo programa, há anos e salvos na mesma pasta. O olhar é o mesmo, apesar da paisagem mudar. O olhar de uma menina de poucos anos. Uma menina que quer aprovação da mãe, amor do pai, colo de ambos, um mundo seguro e um espaço para suas descobertas do eu, um lugar onde fantasiar é preciso e é bom. Quer alguém que diga que "não tem problema ser assim".
Um olhar de menina que chora a partida definitiva do pai do mesmo jeito que olhou sua ida à padaria: "você volta? onde você vai?". Um olhar que olha a mãe como um modelo a ser seguido repetidamente, sem saber que pode escolher ser igual sendo diferente e que ela vai amá-la da mesma forma, porque é isso que fazem as mães. Alguém que ama/teme/deseja/anula a mãe como a protetora que sempre foi, sem querer saber que agora está sob sua própria rsponsabilidade.
Um olhar que projeta lágrimas enquanto a bochecha fica rosa e o olho muda de cor a cada decepção amororsa, assim como foi a primeira. A segunda, a terceira.
Um choro de menina de castigo.
O crescer está para além do tamanho, do emprego, dos filhos.
O crescer pressupõe matar antigos fantasmas e se apropiar de si mesmo.
E se amar. E continuar amando sem esperar amor em troca como se espera moedas na feira. E saber que o desejo nunca será plenamente satisfeito, mas que sempre, de um jeito ou de outro, esse tecladinho de criança vai estar lá, de canto, como um enfeite teimoso em existir e vai haver felicidade só pelo fato de não ser mais um piano de cauda no meio da sala de estar.
Eu podia estar falando de mim. E só posso falar de mim. Mas não estou falando só de mim. Esse é o mundo de quem cresce, de quem perde, de quem ganha, de quem deseja e de quem ainda não entendeu muito bem o porquê.
BADAENEK